Faleceu o pai da Teologia da Libertação, Gustavo Gutiérrez | IHU

MORRE Gustavo Gutiérrez

Por Aníbal Pastor N. em Religión Digital.

A América Latina e sua Igreja perderam uma de suas figuras mais influentes na teologia e no compromisso evangélico: Gustavo Gutiérrez Merino, teólogo, sacerdote, dominicano e fervoroso defensor dos pobres e da Igreja dos pobres. Faleceu em Lima (Peru) nesta última terça-feira, 22-10-2024, aos 96 anos. Seu legado está marcado pela profunda marca que deixou na Igreja Católica e na vida de milhões de fiéis, especialmente daqueles que sofrem exclusão e pobreza no continente latino-americano.

A informação foi divulgada oficialmente pela Província Dominicana de San Juan Bautista do Peru e seus restos mortais serão sepultados na Sala Capitular do Convento de Santo Domingo, em Lima.

Embora chamado por muitos de “pai da Teologia da Libertação”, Gutiérrez foi mais do que um teólogo. Foi um pensador e um homem de ação, um profeta que compreendeu que a fé não pode ser separada da vida real das pessoas, especialmente da vida dos pobres.

Nasceu em Lima, em 08-06-1928, em uma família que viveu em primeira mão as limitações de um sistema econômico e social que marginalizou muitos. Sua infância foi marcada por doenças, pois sofria de osteomielite, o que o obrigou a usar dispositivos ortopédicos para se locomover e, por fim, uma cadeira de rodas. Essa experiência o levou a uma profunda reflexão bíblica sobre o sofrimento e a desenvolver uma sensibilidade única em relação aos mais vulneráveis.

Desde muito jovem, o Pe. Gutiérrez encontrou na educação uma forma de servir outras pessoas. Foi conselheiro e inspiração de estudantes e jovens, da União Nacional dos Estudantes Católicos (UNEC), e colaborador próximo de movimentos que tiveram origem na Ação Católica, como o JOC, o MOAC, JEC, MIEC, MIIC, MIJARC e outros. Neles ajudou muitas gerações a refletir sobre a presença de Deus e, a partir daí, incentivar uma práxis que transforme a realidade. Neste espaço, forjou comunidades críticas que refletiram sobre a injustiça na América Latina e a necessidade de mudanças estruturais baseadas na fé. O seu papel na UNEC foi crucial para que muitos jovens assumissem um compromisso cristão com os oprimidos no Peru.

A relação de Gutiérrez com a hierarquia eclesiástica no Peru e na América Latina foi muito boa. Sempre ouvidos e apoiados por figuras latino-americanas como o cardeal Juan Carlos Landázuri (Peru), Enrique Alvear (Chile), Leonidas Proaño (Equador), Paulo Evaristo Arns e Pedro Casaldáliga (Brasil), e Óscar Arnulfo Romero, santo mártir latino-americano. Estes e muitos outros bispos endossaram as suas contribuições às Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano de Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida.

No entanto, alguns bispos, como o ex-arcebispo de Lima e membro do Opus Dei, amigo do Sodalício (sociedade que produziu centenas de vítimas de abusos sexuais, de consciência e de poder), não só o criticaram, mas procuraram condená-lo, sem sucesso. Ao entrar no novo milênio, Gutiérrez ingressou na Ordem dos Pregadores e como frade dominicano fortaleceu a sua vocação, encontrando nesta comunidade um espaço de proteção e apoio que lhe permitiu continuar a sua missão com maior apoio hierárquico.

Apesar das críticas que recebeu, especialmente durante o papado do agora santo João Paulo II, Gustavo Gutiérrez sempre manteve uma posição de diálogo com a Igreja. Ele nunca foi sancionado num contexto em que alguns de seus colegas e amigos, como Leonardo Boff, sofreram duras represálias. A chegada ao papado de Jorge Bergoglio, que tinha uma proximidade especial e uma opção clara pelos pobres, foi um alívio e justificada pelo Papa Francisco e por aqueles que como ele lutaram por uma Igreja mais comprometida com os mais vulneráveis ​​e descartados na história.

A vida de Gutiérrez sempre foi marcada pela proximidade com os mais pobres, tanto no pensamento como no trabalho pastoral. Em 1971, publicou o livro “Teologia da Libertação: Perspectivas”, obra que abalou os alicerces da teologia tradicional e se baseou nas mudanças do Concílio Vaticano II. Nele, Gutiérrez propôs uma teologia baseada na experiência dos oprimidos, uma reflexão que não permaneceu nas salas de aula acadêmicas, mas se baseou na vida dos pobres e na sua luta pela justiça. Esta teologia influenciou gerações de teólogos e ativistas em todo o mundo.

Em sua vida acadêmica, Gutiérrez recebeu mais de 30 doutorados honorários de universidades de todo o mundo, incluindo centros acadêmicos de prestígio como a Universidade de Yale (EUA) e a Universidade de Freiburg (Alemanha). Em 2003, recebeu o Prêmio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades, uma das mais altas distinções internacionais, em reconhecimento do seu compromisso com os setores mais desfavorecidos e da sua independência das pressões ideológicas. Ele também foi reconhecido com vários prêmios em teologia, como o Prêmio Yves Congar de Excelência Teológica e o Prêmio Livro Religioso por seu trabalho Teologia da Libertação.

O Pe. Gutiérrez sempre foi claro na sua visão: “A pobreza não é sinal de virtude, mas de injustiça”. Estas palavras ressoaram no seu trabalho pastoral e acadêmico. Nas paróquias mais humildes de Lima, especialmente no bairro de Rímac, Gutiérrez construiu uma comunidade comprometida com o Evangelho e a transformação social. A opção preferencial pelos pobres, um dos pilares da Teologia da Libertação, foi para ele uma resposta ao apelo de Cristo a amar e servir os últimos.

O impacto de Gustavo Gutiérrez não se limitou aos seus livros ou palestras. A sua vida foi um testemunho de um cristianismo encarnado na realidade dos mais necessitados. As suas ideias permanecem vivas nas comunidades cristãs de base, nos movimentos sociais e apostólicos, nas redes de leigos e nos corações daqueles que acreditam num mundo mais justo. A sua morte recorda a urgência de continuar o seu trabalho e que o Evangelho, no seu cerne, é um apelo à libertação.

Nova publicação sobre teologia pública

Os professores Jefferson Zeferino, da PUC-Campinas, e Rudolf von Sinner, da PUC-PR, lançaram recentemente uma nova obra no campo da teologia, intitulada “Teologia Pública: História, Fundamentos e Perspectivas”.

Dando destaque aos modelos metodológicos emergentes e às raízes históricas da teologia pública, os autores oferecem uma análise profunda e abrangente sobre o papel da teologia no espaço público. Reconhecidos por contribuições significativas para o estudo teológico no Brasil, Zeferino e von Sinner trazem à tona temas como a teologia da libertação, cidadania e secularização, refletindo sobre sua importância no contexto brasileiro.

Além disso, o livro aborda questões éticas fundamentais dentro das tradições religiosas, com especial atenção à perspectiva cristã. Com uma abordagem que vai além da teoria, os autores exploram a aplicação prática da teologia pública, oferecendo insights valiosos para líderes religiosos, acadêmicos e todos os interessados em compreender o papel das igrejas e da fé no espaço público contemporâneo.

“Teologia Pública: História, Fundamentos e Perspectivas” promete ser uma obra indispensável para aqueles que buscam aprofundar seu entendimento sobre os desafios e oportunidades enfrentados pela teologia em um mundo em constante mudança. Este livro lança luz sobre temas emergentes e oferece uma visão atualizada e relevante para o diálogo inter-religioso, o engajamento social e a construção de um futuro mais justo.

A obre pode ser adquirida no site da editora.

teologias da libertação em tempos de pandemia

O Fórum Mundial de Teologia e Libertação (FMTL) acaba de publicar, em formato digital (E-book), um novo livro. Com o título: “O mundo jamais será o mesmo: teologias da libertação em tempos de pandemia”, a publicação organizada por Luiza Tomita e Roberto Zwetsch conta com sete capítulos de autorias de Luis Carlos Susin, Roberto E. Zwetsch, Kochurani Abraham, Diego Irarrázava, José María Vigil, Alejandro Ortiz, Cesar Kuzma e Rosemary Fernandes; Marcelo Barros; Angélica Tostes; Reinaldo Miranda.

Sumário

Apresentação – Luiz Carlos Susin
Introdução – Luiza E. Tomita; Roberto E. Zwetsch

Parte I – Agressões e Vulnerabilidades em um mundo pandêmico – Espoliação, genocídio,
resistência

Entre la vida y la muerte, la bendición o la maldición – Roberto E. Zwetsch

Vulnerabilidades y el clamor por la liberación – Kochurani Abraham

Agresión sistémica y opciones desde abajo y adentro – Diego Irarrázava

PARTE II – A Teologia Latino-Americana diante de um mundo pandêmico – Reinventar
processos de Libertação

Pros y contras del desempeño del rol de la actual Teología Latinoamericana – José María Vigil

Comprendiendo y valorando a la Teología de La Liberación – Alejandro Ortiz

Novos agentes de libertação: resistência, vida e esperança em um mundo pandêmico – Cesar Kuzma

Juventudes, diálogo intergeracional e espiritualidade libertadora – Rosemary Fernandes; Marcelo Barros; Angélica Tostes; Reinaldo Miranda

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Euler Westphal publica sua tese pela editora urbem pluviam

O Deus Cristão, obra de Euler Westphal, faz uma leitura crítica da Teologia Trinitária de Leonardo Boff e da Teologia da Libertação, sendo uma importante fonte para o embasamento teológico e filosófico para pesquisa sobre temas relevantes para a atualidade, como política, sociedade, cultura, teologia e filosofia.

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