Como desconstruir o discurso e as práticas de ódio
Por Juan José Tamayo*
Durante a campanha eleitoral da Comunidade de Madri, Espanha, o discurso de ódio foi normalizado, se traduzindo em práticas de violência até chegar às ameças de morte. Como responder a ditos discursos e praticas de ódio desta monta, que com frequência desembocam em violência? Teremos que nos resignar e aceitar sua normalização com um fenômeno instalado na vida política e religiosa com o qual temos que que nos acostumar a conviver? De modo algum. Não podemos cruzar os braços e converte-lo em costume. É necessário responder. Ofereço a seguir as seguintes propostas se forem úteis para ditas respostas:
01. Os discursos e as praticas de ódio não podem ser legitimados com o silêncio. Não podemos nos calar antes os odiadores, nem nos deixar amedrontar por eles, nem ter medo com as represálias. Toda aquiescência e convivência com ódio há que ser eliminada, já que qualquer aquiescência constitui reforçá-lo. É necessário responder com explícito rechaço. A defesa da igual dignidade de todos os seres deve ser defendida sem medo como imperativo categórico que não admite silêncio, covardia, escusa ou exceção.
02. Não se deve considerar o ódio como algo natural e inevitável, porque não é. O ódio é algo que de incuba, se programa, se cultiva, se fomentar através dos múltiplos mecanismos que possuem os que o praticam e os que os apoiam.
03. Não se pode normalizar o ódio, por mais dramáticos que sejam as situações que pretendem justificar-lo. Não se deve permitir que o ódio se torne costume y se instale no imaginário social.
04. Há que eliminar as causas que podem provocá-lo. Como? Através de iniciativas sociais, de projetos públicos, de transformações sociais, políticas, econômicas, culturais, educativas etc. capazes de remover toda base social ao ódio e as pessoas odiadoras.
05. Não responder o ódio com mais ódio, porque, como no caso da resposta violenta às práticas de violência se gera uma espiral irrefreável de violência, a reação discursiva e prática de ódio aos discursos e práticas de ódios produzirá uma espiral interminável do ódio.
06. Analisar o contexto em que se produz ódio e as causas que o provocam para ir ao fundo das ditas atitudes e práticas, e não ficarmos na superfície.
07. Fazer um elogio comprometido do diferente e o “impuro”, e reconhecer aos outros e outras não como alteridades negadas, mas como iguais e diferentes.
08. Observar o ódio antes de sua explosão para prevenir suas mortíferas consequências. O que requer rigorosas análises das situações e contextos, nos quais se produz.
09. Ter o valor de enfrentamento como condição necessária para defender a democracia, já que o ódio politicamente organizado constitui uma das maiores ameaças contra a democracia.
10. Adotar uma visão aberta da sociedade, respeitosa com o pluralismo em todos os níveis: político, religioso, social, cultural, étnico etc.
11. Exercer a capacidade de ironia e dúvida, da qual carecem os geradores de ódio, infundado como estão em certezas absolutas, identidades singulares e seguranças egolotras, gestos irados e atidudes violentas. Frente ao discursi de ódio teríamos que seguir a proposta de Frida Kahlo:
“Rir me fez invencível.
Não como os que sempre ganham,
mas como os que nunca se rendem”.
12. Construir comunidades não discriminatórias, mas integradoras onde todas e todos tenham lugar, também a natureza, praticando a eco-fraternidade-sororidade, a cidadania-mundo e a cui-dadania (de cuidados), que nos obriga a todos e todas igualmente.
13. Respeitar e reconhecer a dignidade e os direitos da natureza, da qual formamos e somos parte, frente a depredação da qual é objeto por parte do modelo de desenvolvimento científico-técnico da modernidade.
14. Não é suficiente responder os discursos e práticas de ódio com linguagem e slogans simplistas como são os os daqueles que praticam o ódio. É necessário contra-argumentar toda tentativa de legitimar e de normalizar o discurso e as práticas de ódio com práticas e argumentos baseado na igual dignidade de todos os seres humanos.
15. Temos que que assumir o compromisso de lutar contra as formas cotidianas que conduzem ao desprezo, à desonra, à exclusão, ao ódio, à discriminação das pessoas consideradas diferentes.
16. É necessário ativar e apoiar políticas que contribuem para geração de amor, cooperação, solidariedade, proximidade, amizade, compaixão, cuidado com as outras e os outros e banir políticas que fomentam ódio, exclusão, enfrentamentos etc.
17. Não podemos nos eximir de responsabilidade alegando que o ódio racial e cenofóbico é algo inato, natural, genético contra o qual não se pode fazer nada. Se trata de uma construção humana, e assim como o construímos podemos e devemos desconstruí-lo.
18. Há que ajudar as pessoas odiadoras a sair de tal estado e evitar que se converta em um problema crônico, já que seria destrutivo para as pessoas que odeiam e para as pessoas e coletivos a que se dirige o ódio. Não devemos considerar os odiadores como pessoas irremediáveis e irrecuperáveis. Não podemos deixá-los sozinhos trabalhando duro em seu ódio. Como podemos ajudá-los? Fazendo-os ver o infundado dos motivos pelos quais odeiam.
19. O ódio nem sempre está fora de nós. Também podemos ser pessoas geradoras e transmissoras de ódio. Por isso temos que realizar um ato de introspecção, ou seja, olhar nosso interior e revisar nossas emoções, inclinações para a ira, antipatia, ódio e as microfobias escondidas em nossas mentes e sentimentos.
20. Temos que fugir da uniformidade, da imposição das próprias ideias e condutas e respeitar o pluriverso, que requer ativar a cooperação, o respeito às pessoas diferentes, as plurais identidades afetivo-sexuais, para além da heteronormativa e binariedade sexual, a diversidade religiosa, étnica, cultural, ideológica, afectivo-sexual e ética como riqueza do humano, a diferença como direito e o direito à diferença. É o melhor antídoto para desativar os discursos e as práticas de ódio e fomentar a convivência eco-fraternal-sororal.
21. Os setores cristãos progressistas e comprometidos na libertação não podem se isolar na esfera religiosa, nem se limitar a trabalhar pelas reformas da estrutura hierárquico-patriarcal das instituições eclesiásticas. Essa tarefa é necessária e urgente, mas também o é e de maneira mais imperiosa, intervir no debate cultural, político, social, econômico público e romper a hegemonia que neste momento tem os setores religiosos integristas e fundamentalistas que dizem defender os valores cristãos quando, na realidade, se encontram mais nas antípodas dos valores originários do cristianismo libertador.
22. Nossa participação no espaço público deve se caracterizar pela defesa dos valores morais igualitários, ecológicos, fraterno-sororais, decoloniais, a prática da compaixão com as pessoas que sofrem em sua própria carne a injustiça estrutural e a violência de gênero, e a luta contra as desigualdades de todo tipo no horizonte da Utopia de Outro Mundo Possível.
23. No debate cultural é necessário mostrar que as religiões nem sempre são o ópio e a alienação do povo, mas que podem ser – e de fato estão sendo nos diferente movimentos religiosos de base localizados no mundo da marginalização ao serviço da libertação dos setores mais vulneráveis – fonte e impulso de libertação. Há que mostrar que as religiões não tem por quê ser geradoras de ódio e de práticas violentas, mas que propõem mensagens e práticas de amor solidário, que deve se traduzir politicamente no compromisso pela construção de uma sociedade mais justa, solidária, intercultural, interétnica, inter-religiosa, fraterno-sororal, inclusiva e eco-humana.
Estas propostas são uma reelaboração e atualização das desenvolvidas em meu livro La Internacional del odio. ¿Cómo se construye? ¿Cómo se deconstruye? (Editorial Icaria, Barcelona, 2021, 2ª edición)
(*) Juan José Tamayo é teólogo e autor de autor de La Internacional del odio. ¿Cómo se construye? ¿Cómo se deconstruye? (Editorial Icaria, Barcelona, 2021, 2ª edición)
Tradução: Lucas Duarte.